acordou com uma sensação de alívio. as paredes pareciam ter voltado ao lugar. olhou em volta. em si. nada. tudo parecia calmo. a noite anterior fora real? lembrava pouco. isto vinha acontecendo com freqüência. mas ...
quis levantar e não conseguiu. percebeu algo nodoso nas pernas. uma coisa fétida. mal respirava. as paredes estavam a um palmo do nariz. fechou os olhos sem poder acreditar. era claustrofóbico o que via. sempre fingia estar em outro lugar quando sentia a sensação desse claustro. de novo, pensou . respirou fundo, de olhos fechados. ja não sabia se era noite ou dia. as horas passavam. não. não podia deixar se envolver. pensou numa estratégia. se eu fosse um inseto, menor. voaria por entre as frestas do espaço que restava. sentia que a gosma era gelada. um frio percorria seu corpo prisioneiro. prisioneiro de quê? mal conseguia acreditar. abriu um dos olhos devagar. a parede a sua frente. estou prensada, pensou. tentou num esforço virar a cabeça. com espanto deu de cara com outra parede a lhe deixar a visão pequena. era um caixote? estava sendo encaixotada? um quase desespero tomou conta dos seus pensamentos. um dia anterior correra livre nos campos. olhara a imensidão do céu azul. mal continha o êxtase de contemplar a linha do horizonte. correu tanto que a fadiga fez com que sentasse na montanha mais alta engolindo a dimensão daquele espaço. era livre. abriu o outro olho e deu de cara com o concreto da parede a se aproximar. viu que se mexia. sim, estava sendo encaixotada, emparedada, asfixiada, não definia. tentou, com algum esforço, levantar-se. sentiu o peso de toneladas. como se fosse um amontoado de chumbo. exausta, deitou encostando a cabeça na parede que fechava as suas costas. a porta, pensou. ta próxima. abriu os dois olhos numa esperança desesperada. viu que a porta la estava. intacta, imóvel. aberta. surpreendentemente aberta. podia ver através dela um exterior com um céu azul e vento fresco. era dia. ouvia pessoas passando na rua, falando de suas trivialidades. será que não a viam? será que sua agonia era imperceptível? quem passava não se dava conta do encaixotamento? tentou não pensar. tentou fazer da porta uma miragem. já que parecia impossível lutar contra as paredes que se fechavam. para amenizar a sensação de asfixia, o pânico do final que imaginava, restava-lhe a memória do dia anterior. o campo, o céu, a montanha. fixou esta idéia. a gosma gelada parecia subir de suas pernas. alcançara a cintura. percebeu que o encaixotamento tinha essa coisa estranha de encobrir a vítima de um falso verniz. soubera há tempos de alguns casos. mas como acreditar! como seria feita esta escolha? por que ela? sentiu uma leve pressão sobre a cabeça. o teto se rebaixara consideravelmente. ergueu um dos braços. colocou a mão tentando, num gesto patético, arrumar os cabelos. como se permitindo que o fato se desse, sem resistência. a sensação de horror, pânico deu lugar a uma certeza. desta vez era real. ja sonhara com afogamentos, quedas, incendios e grandes catástrofes. mas desta vez algo bem no íntimo lhe dizia que era real e definitivo. os braços gelaram com a subida da gosma, tentou olhar para baixo. seus movimentos estavam todos comprometidos. percebeu que seu corpo recoberto, lembrava os perus caramelizados das ceias de natal. até mesmo riu. ja nao estava tão angustiada. a respiração se encurtava. o ar era pouco. mal via a porta. pouca luz entrava. percebeu então que estava próximo o fim. ficou até aliviada. tentou, por desencargo, chamar um transeunte que olhou através da porta. curioso talvez. mas ele parecia não ouvi-la. seguiu seu caminho. ela, seguiria o dela. a pressão nas laterais tornou-se mais forte. suas pernas encolheram. agarrada aos joelhos, colocou a cabeça sobre eles, abaixada, resignada. não via mais a porta. não via mais as paredes a lhe prensarem. um zumbido imenso irrompeu o lugar. um estouro de ossos quebrados. as paredes se fecharam. o teto solidário, fez o último movimento. enfim, mais um encaixotamento! o céu de um vermelho encarnado surpreendeu os que passavam indiferentes ao azul que antes havia.
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