a vida pode ser feita de códigos, silenciosos, mas, o extremo de interpretá-la através deles, pode, em alguns casos, talvez, levar à esquizofrenia, à psicose, a um delírio persecutório, ou, quem sabe, até mesmo a um colapso, por que não?
sentado à frente da TV já não ouvia o som das vozes. apenas os lábios se mexiam silenciosamente. olhou para mulher e as filhas, sentadas ao sofá. pareciam ouvir algo que ele há tempos não mais ouvia. era silêncio. a princípio constrangedor. mas, foi-se "acostumando". hei! está me ouvindo? sabia que alguém lhe chamava. por hábito respondia sim sim. mas na verdade não sabia da onde vinha. percebia o olhar irado da mulher. as filhas a olharem daquele jeito com desdém. naquele dia, particularmente, a família se reunira à frente da TV. até se reuniam, em dois, três mas nunca os quatro. haveria algo de especial? a mulher, olhos cansados de óculos, tecia uma trama com agulhas. uma das filhas, aquele chiclete na boca, olhava para um espaço indefinido. não se sabia se para TV. a mais velha, compenetrada, observava os movimentos, as luzes ou as chamadas comerciais, suspirando e cruzando pernas. e, ele, sentado em sua poltrona especial. se sabia ausente. se sabia diferente. por que não percebiam? tentou numa atitude vã chamar a mulher. hã? ... silêncio. perguntou à filha do chiclete displicente, sobre a escola. agora não, vai começar! à filha mais velha, dirigiu um olhar, não correspondido, já que ela estava paralisada e estática com as imagens repetidas na TV. e ele? os sons não chegavam ao seu ouvido. aquele silêncio, enlouquecedor, aumentava dia a dia. a TV não era sua aliada, já que apenas via lábios que se moviam. às vezes um cruzar de pernas, um estourar de bolas de chicletes, um suspiro ou um bater de agulhas. era o que ouvia. sons repetidos e habituais. tentou imaginar os grunhidos dos homens das cavernas. ao menos se comunicavam. de repente aquele zumbido! mais uma vez olhou para mulher num apelo mudo. pára de se mexer tanto! dizia. tentou conter os movimentos que involuntariamente fazia. talvez fosse uma compensação para aquele quadro de espectros de pessoas sem conteúdo. não tinha outra explicação. mais um olhar à filha mais velha. o quê? hã? espera! a do chiclete, via crescer a bola. rosa. transparente. cada estouro similar a uma bomba. colocou as mãos no ouvido. nenhuma das três olhou. ou notou algo diferente. psiu! vai começar! o que começaria? olhava a TV. via imagens patéticas de coisas que não conseguia mais decifrar. perdera o fio da meada? o som daquela caixinha era-lhe imperceptível. até tentava, num esforço gigantesco, ouvir. nada. mudez. silêncio. assim era isolado do resto. pareciam fazer de propósito. com isto restava-lhe a bola que estourava, as agulhas a baterem uma na outra ou o suspiro da filha mais velha. horas intermináveis sentado naquela cadeira especial. mas por que não tomava uma atitude? a paralisia tomara conta de si. dia após dia o bater das xícaras nos pires, os talheres nos pratos, a água dos banhos, o ruído da máquina de lavar, os saltos dos sapatos no assoalho, o rufar das roupas mais leves, o cuspir da pasta de dente, algo que fritava na cozinha e, a TV ligada em silêncio, ao menos para ele. essa conjunção de sons foi tomando uma dimensão tamanha que, em vão, tentava se comunicar em meio a estes ruídos costumeiros. hã? o quê? o que é?! eram as respostas. aos poucos uma nova leitura começou a fazer parte do seu cotidiano. a cada som familiar começou a se desenhar um certo timbre, uma certa freqüência, um certo seilá o quê que, quer ele quisesse ou não, lhe diziam algo muito peculiar. as agulhas a baterem ritmadas, ou descompassadas, alto ou mais baixo lhe falavam da mulher. do seu estado de espírito e, principalmente da sua sempre inexistência. as bolas que estouravam na boca da filha, mostravam o vazio dos seus pensamentos, tão desconexos que estouravam ao ar dada a pequena consistência de cada um deles. ah! e o que dizer daqueles suspiros da mais velha! ou daquele cruzar e descruzar de pernas incessantes a cada mudança de comercial? a espera. a espera sempre impaciente por nada. isso lhe deixava a certeza do quadro caótico que se desenhava em seu cotidiano, numa cadência muda. dentro dele crescia silêncio. apatia. desconforto. batia portas, abria armários, deixava cair talheres numa tentativa desesperada de se comunicar. psiu! não faz barulho! hã? o quê? agora não! vai começar! o que começaria? olhava para TV e os lábios se moviam pateticamente. não ouvia mais. decididamente, estes não eram seus códigos. mas por que ouvia intermitantemente os talheres, as águas que corriam, os sapatos no assoalho, as bolas que estouravam, as agulhas, os suspiros? POR QUÊ? dentro dele, feito germe, crescia uma raiva contida. um desprezo quase imperceptível. uma vontade inumana de explodir! virou-se e revirou-se na poltrona. fez uma tentativa de se levantar. os três pares de olhares se dirigiram a ele. agora não! vai começar! o que meu deus, o que começaria!? resignado, permaneceu sentado. mas algo dentro crescia. descontrole!? de repente os olhos ficaram maiores, as agulhas pareciam espadas, as bolas estouradas de um barulho ensurdecedor, transformaram-se em bombas atiradas de aviões de guerra. e o que dizer dos suspiros? pareciam fazer dentro dele um buraco de alma causando uma dor intensa. olhou em volta. tentando ouvir palavras, frases inteiras, pensamentos lógicos e...hã? o quê? ... psiu! vai começar! suava frio. suas mãos tremiam mesmo que tentasse segurar uma na outra. o que foi? é que...psiu! vai... bum! estourou mais uma bola. aquilo ecoouu no seu cérebro como se estivesse numa enorme caverna vazia. tomando conta de cada canto, cada neurônio, cada fio de razão, desfazendo uma a uma qualquer sinapse. desconectou! algo dentro explodira. ainda vira umas pernas que se cruzavam ou uns últimos suspiros ou algo parecido com o bater de agulhas antes que caísse de lado na poltrona. estático. olhos esbugalhados, braços estendidos ao lado. naquela atitude peculiar de quem se fora! os três pares de olhares se dirigiram a ele. em coro, quase que ensaiado... hã? o que foi? psiu! quieto! vai começar!
sentado à frente da TV já não ouvia o som das vozes. apenas os lábios se mexiam silenciosamente. olhou para mulher e as filhas, sentadas ao sofá. pareciam ouvir algo que ele há tempos não mais ouvia. era silêncio. a princípio constrangedor. mas, foi-se "acostumando". hei! está me ouvindo? sabia que alguém lhe chamava. por hábito respondia sim sim. mas na verdade não sabia da onde vinha. percebia o olhar irado da mulher. as filhas a olharem daquele jeito com desdém. naquele dia, particularmente, a família se reunira à frente da TV. até se reuniam, em dois, três mas nunca os quatro. haveria algo de especial? a mulher, olhos cansados de óculos, tecia uma trama com agulhas. uma das filhas, aquele chiclete na boca, olhava para um espaço indefinido. não se sabia se para TV. a mais velha, compenetrada, observava os movimentos, as luzes ou as chamadas comerciais, suspirando e cruzando pernas. e, ele, sentado em sua poltrona especial. se sabia ausente. se sabia diferente. por que não percebiam? tentou numa atitude vã chamar a mulher. hã? ... silêncio. perguntou à filha do chiclete displicente, sobre a escola. agora não, vai começar! à filha mais velha, dirigiu um olhar, não correspondido, já que ela estava paralisada e estática com as imagens repetidas na TV. e ele? os sons não chegavam ao seu ouvido. aquele silêncio, enlouquecedor, aumentava dia a dia. a TV não era sua aliada, já que apenas via lábios que se moviam. às vezes um cruzar de pernas, um estourar de bolas de chicletes, um suspiro ou um bater de agulhas. era o que ouvia. sons repetidos e habituais. tentou imaginar os grunhidos dos homens das cavernas. ao menos se comunicavam. de repente aquele zumbido! mais uma vez olhou para mulher num apelo mudo. pára de se mexer tanto! dizia. tentou conter os movimentos que involuntariamente fazia. talvez fosse uma compensação para aquele quadro de espectros de pessoas sem conteúdo. não tinha outra explicação. mais um olhar à filha mais velha. o quê? hã? espera! a do chiclete, via crescer a bola. rosa. transparente. cada estouro similar a uma bomba. colocou as mãos no ouvido. nenhuma das três olhou. ou notou algo diferente. psiu! vai começar! o que começaria? olhava a TV. via imagens patéticas de coisas que não conseguia mais decifrar. perdera o fio da meada? o som daquela caixinha era-lhe imperceptível. até tentava, num esforço gigantesco, ouvir. nada. mudez. silêncio. assim era isolado do resto. pareciam fazer de propósito. com isto restava-lhe a bola que estourava, as agulhas a baterem uma na outra ou o suspiro da filha mais velha. horas intermináveis sentado naquela cadeira especial. mas por que não tomava uma atitude? a paralisia tomara conta de si. dia após dia o bater das xícaras nos pires, os talheres nos pratos, a água dos banhos, o ruído da máquina de lavar, os saltos dos sapatos no assoalho, o rufar das roupas mais leves, o cuspir da pasta de dente, algo que fritava na cozinha e, a TV ligada em silêncio, ao menos para ele. essa conjunção de sons foi tomando uma dimensão tamanha que, em vão, tentava se comunicar em meio a estes ruídos costumeiros. hã? o quê? o que é?! eram as respostas. aos poucos uma nova leitura começou a fazer parte do seu cotidiano. a cada som familiar começou a se desenhar um certo timbre, uma certa freqüência, um certo seilá o quê que, quer ele quisesse ou não, lhe diziam algo muito peculiar. as agulhas a baterem ritmadas, ou descompassadas, alto ou mais baixo lhe falavam da mulher. do seu estado de espírito e, principalmente da sua sempre inexistência. as bolas que estouravam na boca da filha, mostravam o vazio dos seus pensamentos, tão desconexos que estouravam ao ar dada a pequena consistência de cada um deles. ah! e o que dizer daqueles suspiros da mais velha! ou daquele cruzar e descruzar de pernas incessantes a cada mudança de comercial? a espera. a espera sempre impaciente por nada. isso lhe deixava a certeza do quadro caótico que se desenhava em seu cotidiano, numa cadência muda. dentro dele crescia silêncio. apatia. desconforto. batia portas, abria armários, deixava cair talheres numa tentativa desesperada de se comunicar. psiu! não faz barulho! hã? o quê? agora não! vai começar! o que começaria? olhava para TV e os lábios se moviam pateticamente. não ouvia mais. decididamente, estes não eram seus códigos. mas por que ouvia intermitantemente os talheres, as águas que corriam, os sapatos no assoalho, as bolas que estouravam, as agulhas, os suspiros? POR QUÊ? dentro dele, feito germe, crescia uma raiva contida. um desprezo quase imperceptível. uma vontade inumana de explodir! virou-se e revirou-se na poltrona. fez uma tentativa de se levantar. os três pares de olhares se dirigiram a ele. agora não! vai começar! o que meu deus, o que começaria!? resignado, permaneceu sentado. mas algo dentro crescia. descontrole!? de repente os olhos ficaram maiores, as agulhas pareciam espadas, as bolas estouradas de um barulho ensurdecedor, transformaram-se em bombas atiradas de aviões de guerra. e o que dizer dos suspiros? pareciam fazer dentro dele um buraco de alma causando uma dor intensa. olhou em volta. tentando ouvir palavras, frases inteiras, pensamentos lógicos e...hã? o quê? ... psiu! vai começar! suava frio. suas mãos tremiam mesmo que tentasse segurar uma na outra. o que foi? é que...psiu! vai... bum! estourou mais uma bola. aquilo ecoouu no seu cérebro como se estivesse numa enorme caverna vazia. tomando conta de cada canto, cada neurônio, cada fio de razão, desfazendo uma a uma qualquer sinapse. desconectou! algo dentro explodira. ainda vira umas pernas que se cruzavam ou uns últimos suspiros ou algo parecido com o bater de agulhas antes que caísse de lado na poltrona. estático. olhos esbugalhados, braços estendidos ao lado. naquela atitude peculiar de quem se fora! os três pares de olhares se dirigiram a ele. em coro, quase que ensaiado... hã? o que foi? psiu! quieto! vai começar!
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