sábado, 28 de agosto de 2010

a fera e as feras

dizia-se que em um pequeno vilarejo um homem vivia a caçar o que ele chamava de feras. dinossauros, bichos da tasmânia, rinocerontes, raposas do hymalaia, suas preferidas. todo tipo que, por sua dimensão, ferocidade e feiura, já estavam em extinção. este homem obcecado, possuía todas as armas e armadilhas para suas presas. olha que não eram deste século mas medievais. maças, martelos, manguais, arapulcas, atiradores de pedra (catapultas), espadas, lanças, cavalos encilhados e preparados, armaduras . até parecia um cavalheiro medieval. quem o via, de longe, pensava que era. mas ao se aproximar se deparava com um homem já velho com suas armaduras carcomidas pelo tempo. mas ele insistia em caçar. estas feras, geralmente maiores que ele, davam muito trabalho! engraçado que mais do que uma verdade ele se tornou uma lenda. porque na realidade nunca ninguém vira suas caças tombadas. mas de boca em boca corria a fama. ele de armas em punho saía a caçar, a qualquer hora. esse era o seu maior prazer. diziam que, caçada a presa, ele até se compadecia por algum tempo. mas, passado o tempo pequeno do "mea culpa", a presa nada mais era do que um animal para exposição e afirmação de um poder que ele sentia já estar minguando. estes animais não se encontravam em qualquer lugar. era necessário percorrer muitos caminhos. lugarejos remotos. montanhas. entrar em cavernas escuras. para isto ele era destemido. nada o detinha. de armadura e armas em punho, diziam, ele se dirigia ao local da caçada a qualquer hora do dia. a qualquer temperatura. fizesse chuva ou sol lá estava a caminhar em direção a sua presa. ora! por que escolhera esta vida? não sabiam os demais. alguns diziam que ele carregava dentro de si monstros. muitos. um exército deles. estes, geralmente em posição militar, o incomodavam todas as noites lhe trazendo pesadelos horríveis. anos disto criou no homem velho, um perfil. meio lunático, esquizóide, ermitão, esquisito, anti social. nunca amara. nunca tivera experiências lúdicas. nunca vira por de sóis ou fizera amor até o amanhecer. dizem que isolado, calculava dia e noite, dia a dia, ano a ano, sua próxima empreitada. construía armadilhas, polia suas armas, alimentava os cavalos e saía a qualquer hora. como sabia da existência e aonde estavam os animais, não se sabia ao certo. ele era um pesquisador. bom pesquisador. diziam que no seu castelo havia máquinas modernas e equipadas de radares capazes de encontrar um animal nos mais recôntidos cantos da terra. este homem não era bem visto no lugarejo. na realidade de tanto caçar este tipo de animal, de conviver em pensamento com eles, tornou-se similar. era ele mesmo a caça que caçava. era ele mesmo o animal que procurava. era ele mesmo diziam os mais sábios! de fora, viam nele estampado os animais que caçava. os animais caçados, por sua vez, pouco a pouco, passaram a sentir por seu algoz algo familiar. começaram a se identificar com ele. assim como muitas vezes o torturado estabelece um laço afetivo com o seu torturador. com o tempo e a velhice chegando este homem foi se dando conta disto. ao caçar a fera, a mesma se afeiçoava a ele. isto o perturbava. afinal, afeição só poderia existir se houvesse uma similaridade. ele era um homem inteligente mas negava sua própria condição de fera! dizem que certa vez levara ao castelo um animal da tasmânia. assustado se deu conta de que não havia um enfrentamento. uma luta. ou tentativa de fuga. o animal, feroz, permaneceu passivo e quieto aos seus pés. com um olhar até mesmo doce para aquele cavalheiro decaído. ele não aceitava. tinha que haver o combate, a provocação, o enfrentamento. assim poderia usar suas armas fatais. não o agradava desferir um golpe num ser passivo, resignado e quase amorosamente relacionado. isso tirava todo o poder e símbolo de força do ato de caçar e do caçador. mas dizem que repetidamente os animais se identificavam com o homem. e, fantasticamente, os habitantes começaram a presenciar uma caminhada freqüente de animais exóticos e assustadores em direção ao castelo. as feras caçadas começaram a ir em direção ao caçador. resignadamente. passivamente. mansamente. o homem, enlouquecido, desferia golpes por todos os lados. algumas feras tombavam. mas como eram a maioria, a andança prosseguia sem que ele, racionalmente, se desse conta do que ocorria de fato. dizem alguns que se ouviram berros vindos do castelo por muito tempo. os habitantes contam que nunca mais viram o homem com armadura e armas em punho a caçar. dizem que as feras rondavam o castelo dia e noite. e, aprisionado, o caçador virou a caça. fruto de uma identificação doentia talvez. ninguém explicava. e este fato se tornou uma lenda, até mesmo uma atração para o lugarejo. alguns contam que por anos. o homem trancafiado e as feras ao redor. dinossauros. bichos da tasmânia. rinocerontes, raposas do hymalaia, muitas delas, entre outros. até que numa tarde de agosto viram um cortejo seguir caminho abaixo. o que restara do homem caçador era levado pelas feras obedientemente enfileiradas para o cemitério mais longe da cidade.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

CÓDIGOS
a vida pode ser feita de códigos, silenciosos, mas, o extremo de interpretá-la através deles, pode, em alguns casos, talvez, levar à esquizofrenia, à psicose, a um delírio persecutório, ou, quem sabe, até mesmo a um colapso, por que não?
sentado à frente da TV já não ouvia o som das vozes. apenas os lábios se mexiam silenciosamente. olhou para mulher e as filhas, sentadas ao sofá. pareciam ouvir algo que ele há tempos não mais ouvia. era silêncio. a princípio constrangedor. mas, foi-se "acostumando". hei! está me ouvindo? sabia que alguém lhe chamava. por hábito respondia sim sim. mas na verdade não sabia da onde vinha. percebia o olhar irado da mulher. as filhas a olharem daquele jeito com desdém. naquele dia, particularmente, a família se reunira à frente da TV. até se reuniam, em dois, três mas nunca os quatro. haveria algo de especial? a mulher, olhos cansados de óculos, tecia uma trama com agulhas. uma das filhas, aquele chiclete na boca, olhava para um espaço indefinido. não se sabia se para TV. a mais velha, compenetrada, observava os movimentos, as luzes ou as chamadas comerciais, suspirando e cruzando pernas. e, ele, sentado em sua poltrona especial. se sabia ausente. se sabia diferente. por que não percebiam? tentou numa atitude vã chamar a mulher. hã? ... silêncio. perguntou à filha do chiclete displicente, sobre a escola. agora não, vai começar! à filha mais velha, dirigiu um olhar, não correspondido, já que ela estava paralisada e estática com as imagens repetidas na TV. e ele? os sons não chegavam ao seu ouvido. aquele silêncio, enlouquecedor, aumentava dia a dia. a TV não era sua aliada, já que apenas via lábios que se moviam. às vezes um cruzar de pernas, um estourar de bolas de chicletes, um suspiro ou um bater de agulhas. era o que ouvia. sons repetidos e habituais. tentou imaginar os grunhidos dos homens das cavernas. ao menos se comunicavam. de repente aquele zumbido! mais uma vez olhou para mulher num apelo mudo. pára de se mexer tanto! dizia. tentou conter os movimentos que involuntariamente fazia. talvez fosse uma compensação para aquele quadro de espectros de pessoas sem conteúdo. não tinha outra explicação. mais um olhar à filha mais velha. o quê? hã? espera! a do chiclete, via crescer a bola. rosa. transparente. cada estouro similar a uma bomba. colocou as mãos no ouvido. nenhuma das três olhou. ou notou algo diferente. psiu! vai começar! o que começaria? olhava a TV. via imagens patéticas de coisas que não conseguia mais decifrar. perdera o fio da meada? o som daquela caixinha era-lhe imperceptível. até tentava, num esforço gigantesco, ouvir. nada. mudez. silêncio. assim era isolado do resto. pareciam fazer de propósito. com isto restava-lhe a bola que estourava, as agulhas a baterem uma na outra ou o suspiro da filha mais velha. horas intermináveis sentado naquela cadeira especial. mas por que não tomava uma atitude? a paralisia tomara conta de si. dia após dia o bater das xícaras nos pires, os talheres nos pratos, a água dos banhos, o ruído da máquina de lavar, os saltos dos sapatos no assoalho, o rufar das roupas mais leves, o cuspir da pasta de dente, algo que fritava na cozinha e, a TV ligada em silêncio, ao menos para ele. essa conjunção de sons foi tomando uma dimensão tamanha que, em vão, tentava se comunicar em meio a estes ruídos costumeiros. hã? o quê? o que é?! eram as respostas. aos poucos uma nova leitura começou a fazer parte do seu cotidiano. a cada som familiar começou a se desenhar um certo timbre, uma certa freqüência, um certo seilá o quê que, quer ele quisesse ou não, lhe diziam algo muito peculiar. as agulhas a baterem ritmadas, ou descompassadas, alto ou mais baixo lhe falavam da mulher. do seu estado de espírito e, principalmente da sua sempre inexistência. as bolas que estouravam na boca da filha, mostravam o vazio dos seus pensamentos, tão desconexos que estouravam ao ar dada a pequena consistência de cada um deles. ah! e o que dizer daqueles suspiros da mais velha! ou daquele cruzar e descruzar de pernas incessantes a cada mudança de comercial? a espera. a espera sempre impaciente por nada. isso lhe deixava a certeza do quadro caótico que se desenhava em seu cotidiano, numa cadência muda. dentro dele crescia silêncio. apatia. desconforto. batia portas, abria armários, deixava cair talheres numa tentativa desesperada de se comunicar. psiu! não faz barulho! hã? o quê? agora não! vai começar! o que começaria? olhava para TV e os lábios se moviam pateticamente. não ouvia mais. decididamente, estes não eram seus códigos. mas por que ouvia intermitantemente os talheres, as águas que corriam, os sapatos no assoalho, as bolas que estouravam, as agulhas, os suspiros? POR QUÊ? dentro dele, feito germe, crescia uma raiva contida. um desprezo quase imperceptível. uma vontade inumana de explodir! virou-se e revirou-se na poltrona. fez uma tentativa de se levantar. os três pares de olhares se dirigiram a ele. agora não! vai começar! o que meu deus, o que começaria!? resignado, permaneceu sentado. mas algo dentro crescia. descontrole!? de repente os olhos ficaram maiores, as agulhas pareciam espadas, as bolas estouradas de um barulho ensurdecedor, transformaram-se em bombas atiradas de aviões de guerra. e o que dizer dos suspiros? pareciam fazer dentro dele um buraco de alma causando uma dor intensa. olhou em volta. tentando ouvir palavras, frases inteiras, pensamentos lógicos e...hã? o quê? ... psiu! vai começar! suava frio. suas mãos tremiam mesmo que tentasse segurar uma na outra. o que foi? é que...psiu! vai... bum! estourou mais uma bola. aquilo ecoouu no seu cérebro como se estivesse numa enorme caverna vazia. tomando conta de cada canto, cada neurônio, cada fio de razão, desfazendo uma a uma qualquer sinapse. desconectou! algo dentro explodira. ainda vira umas pernas que se cruzavam ou uns últimos suspiros ou algo parecido com o bater de agulhas antes que caísse de lado na poltrona. estático. olhos esbugalhados, braços estendidos ao lado. naquela atitude peculiar de quem se fora! os três pares de olhares se dirigiram a ele. em coro, quase que ensaiado... hã? o que foi? psiu! quieto! vai começar!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

mulher avon

levantou bem mais cedo do que de costume. o ar da manhã transpirava. algo novo refletia nos vidros da sala embaçados da serração que encobrira a noite. como se sentia igual. igual a todos que indiferentes levantam sempre as mesmas horas cumprindo um ritual habitual. desta vez estava na corrente. a favor, sentia-se mais leve. até mesmo colocou as roupas na máquina. ajeitou a louça na pia. odorizou o ambiente, cheiro lavanda. mais uma vez aproximou-se das janelas abrindo uma a uma. devagar. assim via nos comerciais da tv. impressionada com toda aquela leveza fake. mas o mundo todo é fake. desta vez não, pensou. colocou a mesa do café. sentou e tomou gole a gole. café pausado. o ritmo era lento e quase feliz. os pássaros cantavam para ela. nunca acordara junto com todos. era sempre a última. sem saber às vezes se era ela ou o mundo que dormia. ou assim se sentia já que o mundo acordava enquanto ela adormecia. não sabia. também, não importava. andou passo a passo de um lado ao outro do apartamento. ajeitou aqui, ali. cada objeto posicionado no seu lugar. as almofadas sobre o sofá, as persianas levantadas, o vidro da mesa da sala de estar, limpo. o mundo lhe parecia tão perfeito naquele dia! sem gritos, sem buzinas de carros, sem congestionamentos, sem más notícias, sem lembranças. era quase um silêncio. da sua alma? não saberia dizer. as horas passavam lentas sem que se incomodasse. ouvia até mesmo os vizinhos baterem portas, fecharem, sussurrarem nos seus trajetos automáticos a caminho do dia a dia sempre igual. abriu um livro, fechou, abriu a geladeira e olhou o que faltava. ah! cor. falta cor. providenciou imediatamente. ao telefone... laranjas, tomates, brócolis, rabanetes... nada a perturbava, nem seus pensamentos. o fogão a espera do meio dia. do almoço. da frigideira, das panelas, das chamas acesas. uma música vinha de longe assim como o som do trabalho braçal dos prédios que se erguiam entre paredes agonizantes de espaços cada vez menores. não, não quis pensar. afastou a idéia que lhe vinha da cidade asfixiada. hoje não. tudo tinha uma nova dimensão. como se espaços virassem verdadeiros céus abertos. uma brisa mansa invadia os cantos dos cômodos sem pedir licença, não a incomodava também. abriu o note e resolveu escrever uma bela frase, daquelas que todos os alegres de plantão costumam escrever. sem pensar, postou. tão simples ser igual pensou. acordar em paz, sorrindo cumprir as obrigações diárias, ver o que falta. porque quando a maioria se levanta, não ve o que tem, mas o que falta. e sai às ruas para comprar desejos. pegou caneta e papel. anotou alguns itens, irrelevantes para uma lista do que falta. mas o gesto em si era de uma dimensão aos olhos dela, imensurável. fazer a listinha matinal conferia-lhe um status de igualdade sem prescedentes. sim, se sabia igual naquele dia. comum, rotineira, sonâmbula e feliz. inconsciente mas móvel, prática e funcional. até mesmo antevia os lugares aonde ir, a loja certa, o supermercado certo, as ruas e os trajetos mais eficientes para chegar a hora de fazer o almoço. ensaiou um passo, dois passos até ao armário. escolhendo a roupa mais leve, inclusive aquela écharpe que sempre vira nos filmes a voar com o toque do vento, nos pescoços de belas mulheres e perfeitas. tinha uma. colocou em volta de si olhando no espelho. a bolsa, na cadeira, parecia esperar. ai como era bom ser como todos! foi ao banho. saindo perfumada e saltitante. até saltitou. ensaiou cantar uma melodia. pensou em alguma que não falasse de maldades. algo clean. lembrou do filme cantando na chuva. sorria. naquela manhã o dia estava feliz. prometeu a si que não falaria da dor alheia, que não ouviria o noticiário, que não mal diria o mundo em que nascera. tudo estaria perfeito como todos sempre diziam. vida bela bela vida! em um minuto se via pronta. estou pronta pensou. pronta para a vida de todos. pronta para sorrir mecanicamente forjando a dor que deveras sentia. não, não. não podia pensar. a manada quando anda não pensa. se um dominó resolve dar para trás, ou pra frente, todos os outros caem. não, não seria essa pecinha do dominó. colocou os sapatos de salto. não muito altos apesar de lhe vir à memória aquele som peculiar do toc toc toc nas calçadas matinais. olhou-se ao espelho e viu refletida a imgem de uma vendedora da avon. sorriu sem ironia. ao menos tentou. ou ainda, refletida no espelho estava uma cidadã comum, igual a todos, inquestionavelmente igual. isto lhe trazia um prazer, um descompromisso, uma certa vontade até mesmo de dançar. não, não ousou fazê-lo, ao menos naquele dia, ainda era muito cedo para tanto. a normatização levava anos e ela faria tudo em um dia? não, pensou, devagar! deu uma voltinha e se achou bela como nos manuais de auto ajuda e repetiu de si para consigo mesma, sou linda! maravilhosa! a melhor! com aquele ar de contentamento de quem achara o portal da felicidade. aproximou-se da bolsa. não sem antes pensar. bolsa de mulher. ah! batom, perfume, coisas e coisas. poque bolsa de mulher tem que ter coisas. abriu uma gaveta de coisas e colocou-as na bolsa, pronto. de repente veio à memória algo que sua avó sempre dizia, sua mãe também... um batonzinho! passa um batonzinho. esse era o toque mágico. o batonzinho parecia ter o poder de transformar o feio em belo em segundos. com a promessa de que todos os olhares seriam atraídos a esse objeto de desejo. ai que satisfação. quando poderia imaginar que estaria assim tão igual, quase em sintonia com seu mundo, com as pessoas, com a rotina estabelecida. sem pensar, foi ao banheiro novamente e pegou o mais vermelho, era moda. passou. algo se destacou no seu rosto. desta vez, silenciosa de protestos em vão. sua boca era agora um objeto colorido. quem sabe desejado! não continha em si a satisfação de mais este gesto incorporado tão rapidamente naquele dia. foi à sala e pegou a bolsa novamente não antes de colocar o batom dentro. pegou as chaves do carro. aproximou-se da porta para abri-la. olhou mais uma vez em volta com aquele ar de contentamento de ver tudo tão certinho, tão nos seus lugares, tão em ordem. colocou a chave na porta e girou...girou...girou... e...caiu do salto! escorregou. espatifou-se. foi- se ao ar. ao chão. bolsa, batom, chaves, perfume se misturavam a um sentimento intenso, real? ar, brisa, canto, pássaros, leveza, dança, écharpe, bolsa, batom, chaves, lista, saltos foram aspirados com uma força inimaginável para um ralo que se abriu no lugar do elevador. ela segurou forte na borda para não ir pelo ralo... segurou...segurou... se agarrou ao último fio de céu azul, em vão, antes de descer ralo abaixo.
...
o mundo girou de repente! acordou assustada, ofegante. coração acelerado, tivera um pesadelo? olhou em volta. na penumbra do quarto visualizava as persianas fechadas. as almofadas no chão. não, não fora real, sonhara. ajeitou as cobertas. virou para o lado. o mundo ainda dorme ou eu que durmo? sem pensar mais fechou os olhos a espera que o mundo acordasse! é, deixe que o mundo acorde ou eu descerei na próxima estação. não sei, hoje de nada sei. talvez a mulher da avon soubesse mais que eu.
dormiu.

sábado, 21 de agosto de 2010

berenice

não sabia se era alice ou berenice. não que em muitos momentos não soubesse a diferença entre ser uma ou outra, alice ou berenice! alice transpunha espelhos. vivia o que berenice não conseguia. porque, berenice, era pura realidade feito concreto de parede. alice não. alice voava longe sobre paraísos e sonhos. nuvens ocultas em qualquer pensamento etéreo era alice. naquele momento, refletindo, não sabia. era alice? berenice? alguém se aproximou num choro lacrimoso, operístico, até muito exagerado, teatral. o teatro é prato cheio destas ocasiões. quem via o choro de quem olhava? essa era a questão. porque alice riria. porém, berenice, choraria. um canto ao longe ecoou algo familiar. berenice ou alice pôs-se a escutar. alice voou. berenice ouviu através do vidro que encobria seu rosto pálido. neste momento berenice não pode dar as mãos à alice. percebeu que ficara. ficara imóvel. estática. alguém num sussurro falou. berenice tão quieta. berenice tão calma. berenice menina doce. num turbilhão de idéias, nem berenice nem alice , algo moveu fundo. acordando vontades. sonhos. planos. ainda haveria tempo? espaço? momento para berenice? alice sempre voara. cantara. era alguém além da realidade. berenice, pés no chão, mal conseguira saber que existia uma linha além do horizonte. o vidro ficou nítido. separava um rosto pálido de uma realidade colorida. berenice tentou chamar alice. mas...ela se despedia, acenava. este não era seu ato. alice era eterna. mãos encostavam no vidro deixando aquela marca passageira. pareciam se lamentar. por quem? por quem não voara? ou por quem ali estava, esperando? alice fora alguma inspiração. alice atravessou o espelho. berenice via, agora, o bafo de uma respiração num vidro espesso. muito espesso. tentou tocar, abrir. tarde demais. alice corria velozmente se perdendo ao longe. berenice ficou. de repente vozes em coro rezaram. berenice, atenta, sempre, não rezou. por mais que quisesse não fazia mais parte do coro. do canto. do choro. era ela mesma o fim. o vidro espesso refletia algumas imagens. a mãe, o pai, as irmãs, poucos amigos e colegas. poucos seres humanos. menos alice. ela não fazia parte. ela era o que nunca fora berenice. por isso, naquele momento, não adiantaria chamar. alice fora na frente. berenice, ficara. alguma luz ainda via. mas...de repente vozes, cantos, mãos, orações. berenice se fechou. fecharam berenice. na escuridão ouviu a terra que caía, pá a pá sobre o que lhe restara. a imagem de alice que sorria.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010


até que alguém decida seu futuro!

essa é a frase preferida quando se trata de nossos " menores infratores". nós somos o produto do meio. raras excessões, vemos príncipes nascerem de verdadeiros lixões. mas o que dizer da grande maioria? mal abrem os olhos e não encontram parâmetros pra diferenciar um bofetão de um beijo. um palavrão de palavras carinhosas. a humilhação do elogio. mal sabem eles a diferença de matar ou não matar. o roubo é a profissão. a violência a orientação. os pais, resultado de uma cadeia determinista de enganos, desenganos, misérias e faltas, falta de tudo! amor próprio? como? se o estômago pede comida? se o corpo pede coberta no frio? se os desejos são meras fantasias? e nada acontece. assim são nossas crianças colocadas à margem por que nasceram à margem e, assim permanecerão!ah hipocrisia! criança esperança! quanto dinheiro ja não arrecadaram para, dizem , diminuir essa crueldade de humanos contra humanos. nada. tudo igual. grandes monopólios têm que fazer um "mea culpa" inventando algo grandioso! mas sempre, sempre saem ganhando. nunca dão se não ganham. nossas crianças continuam nas ruas, na miséria, na fome, no determinismo geográfico que as impedem de ir mais além. seus nascimentos e lugares a ocuparem já estão pré determinados. ah esses que fazem "os crianças esperanças", são os que estarão sempre, sempre no topo. porque têm o poder de determinar e condenar cada um a sua miséria. quanto a eles, topo é topo! poder! de lá não sairão, nem seus filhos e netos. nossas crianças fumam crack, matam, roubam, vivem nas ruas... essas são as "crianças sem esperanças"!!! elas continuarão assim, porque quem tem o poder mente! engana! faz de conta! porque pobreza, miséria e mau comportamento fede, e eles não suportam, aguentam para lucrarem sempre!



encaixotando

acordou com uma sensação de alívio. as paredes pareciam ter voltado ao lugar. olhou em volta. em si. nada. tudo parecia calmo. a noite anterior fora real? lembrava pouco. isto vinha acontecendo com freqüência. mas ...
quis levantar e não conseguiu. percebeu algo nodoso nas pernas. uma coisa fétida. mal respirava. as paredes estavam a um palmo do nariz. fechou os olhos sem poder acreditar. era claustrofóbico o que via. sempre fingia estar em outro lugar quando sentia a sensação desse claustro. de novo, pensou . respirou fundo, de olhos fechados. ja não sabia se era noite ou dia. as horas passavam. não. não podia deixar se envolver. pensou numa estratégia. se eu fosse um inseto, menor. voaria por entre as frestas do espaço que restava. sentia que a gosma era gelada. um frio percorria seu corpo prisioneiro. prisioneiro de quê? mal conseguia acreditar. abriu um dos olhos devagar. a parede a sua frente. estou prensada, pensou. tentou num esforço virar a cabeça. com espanto deu de cara com outra parede a lhe deixar a visão pequena. era um caixote? estava sendo encaixotada? um quase desespero tomou conta dos seus pensamentos. um dia anterior correra livre nos campos. olhara a imensidão do céu azul. mal continha o êxtase de contemplar a linha do horizonte. correu tanto que a fadiga fez com que sentasse na montanha mais alta engolindo a dimensão daquele espaço. era livre. abriu o outro olho e deu de cara com o concreto da parede a se aproximar. viu que se mexia. sim, estava sendo encaixotada, emparedada, asfixiada, não definia. tentou, com algum esforço, levantar-se. sentiu o peso de toneladas. como se fosse um amontoado de chumbo. exausta, deitou encostando a cabeça na parede que fechava as suas costas. a porta, pensou. ta próxima. abriu os dois olhos numa esperança desesperada. viu que a porta la estava. intacta, imóvel. aberta. surpreendentemente aberta. podia ver através dela um exterior com um céu azul e vento fresco. era dia. ouvia pessoas passando na rua, falando de suas trivialidades. será que não a viam? será que sua agonia era imperceptível? quem passava não se dava conta do encaixotamento? tentou não pensar. tentou fazer da porta uma miragem. já que parecia impossível lutar contra as paredes que se fechavam. para amenizar a sensação de asfixia, o pânico do final que imaginava, restava-lhe a memória do dia anterior. o campo, o céu, a montanha. fixou esta idéia. a gosma gelada parecia subir de suas pernas. alcançara a cintura. percebeu que o encaixotamento tinha essa coisa estranha de encobrir a vítima de um falso verniz. soubera há tempos de alguns casos. mas como acreditar! como seria feita esta escolha? por que ela? sentiu uma leve pressão sobre a cabeça. o teto se rebaixara consideravelmente. ergueu um dos braços. colocou a mão tentando, num gesto patético, arrumar os cabelos. como se permitindo que o fato se desse, sem resistência. a sensação de horror, pânico deu lugar a uma certeza. desta vez era real. ja sonhara com afogamentos, quedas, incendios e grandes catástrofes. mas desta vez algo bem no íntimo lhe dizia que era real e definitivo. os braços gelaram com a subida da gosma, tentou olhar para baixo. seus movimentos estavam todos comprometidos. percebeu que seu corpo recoberto, lembrava os perus caramelizados das ceias de natal. até mesmo riu. ja nao estava tão angustiada. a respiração se encurtava. o ar era pouco. mal via a porta. pouca luz entrava. percebeu então que estava próximo o fim. ficou até aliviada. tentou, por desencargo, chamar um transeunte que olhou através da porta. curioso talvez. mas ele parecia não ouvi-la. seguiu seu caminho. ela, seguiria o dela. a pressão nas laterais tornou-se mais forte. suas pernas encolheram. agarrada aos joelhos, colocou a cabeça sobre eles, abaixada, resignada. não via mais a porta. não via mais as paredes a lhe prensarem. um zumbido imenso irrompeu o lugar. um estouro de ossos quebrados. as paredes se fecharam. o teto solidário, fez o último movimento. enfim, mais um encaixotamento! o céu de um vermelho encarnado surpreendeu os que passavam indiferentes ao azul que antes havia.

domingo, 8 de agosto de 2010

MARIPOSAS SEM ASAS

"As mariposas são positivamente fototáxicas. Elas parecem encantadas pela luz da sua varanda, pelos faróis do seu carro ou por uma fogueira. Embora não haja nenhuma explicação definitiva para esse fenômeno, existem teorias interessantes".
as mariposas são positivamente fototáxicas. elas parecem encantadas pela luz da sua varanda (com vista para o mar), pelos faróis do seu carro (último modelo) ou por uma fogueira (sua lareira). embora não haja nenhuma explicação definitiva para esse fenômeno, existem teorias interessantes sobre a real natureza humana. aqui exemplifico uma milésima fração do que pode estar por trás de cada máscara que cada um carrega ! os interesses e maldades parecem suplantar qualquer outra coisa parecida ao bem na contemporaneidade! esses comportamentos e desejos, criam formas quase inumanas de seres que transitam livremente mas que nem todos veem! eu os vejo e resolvi chamá-los de mariposas sem asas.
observei este fenômeno à medida da consciência que tinha das minhas asas. comecei a observar espectros de gente que existem a me rondar ou a se afastar. no início, aterrorizada, evitava olhar. horripilantes! mas, que na realidade, apresentavam-se com formas diversas, segundo seus interesses. asas gigantes, cintilantes e coloridas! fácil cair no abraço destas mariposas encantadas. mas nem todas tinham esta inteligência. carregavam nas costas o que há de mais asqueroso de uma mente voltada para a escuridão da caverna! mas a mim restava o mau cheiro, a sensação de opressão, a gosma de cada vômito verde! vejo o que é!
tentei fugir! mas elas me rondavam. me chamavam. me achavam. talvez vissem em mim a presa certa. eu poderia levá-las às almas mais apetitosas para a sede de mal que tinham. conhecia ogros, essa era minha cina! então, de tanto correr, não fugi mais. resolvi caçá-las, sendo caçada, levando-as ao que mais desejavam! a destruição em êxtase autofágico de dois pólos maus!
andei nas ruas, nos becos, nas esquinas... com minhas asas sempre bem guardadas! assim como estas, que chamo de mariposas sem asas, sou a antítese que procura se aproximar da maldade para, talvez, reforçar e justificar a minha sempre "bondade". aprendi a adorar, farejar, rastrear e atrair as mariposas sem asas. tenho uma sensação de poder após perder quilos e litros de minha própria alma, aceitando, pacificamente, o contato asqueroso destes seres. mas...minha função é atraí-los! ao menos não tenho que juntar suas falsas asas que caem de segundo a segundo como uma chuva surrealista de leve, pesado, colorido, opaco. e assim é!
...
as mariposas perdem forças
só os anjos têm asas! elas não têm. fingem que as têm. na verdade se arrastam como vermes pelas ruas. não chegam longe. usam seu pequeno cérebro para engenhos que geralmente se frustram. porque a teia que armam é tão rudimentar quanto a sua característica física e os desejos que possuem. estes desejos são a medida de suas inteligências.
mas por que estas perderam as asas? sempre viveram a vida às cegas. as asas la estavam, mas nunca as viram. e quando viam uma mariposa voando, alto, isso pode acontecer, não se identificavam. sempre preferiram rastejar. entre as casas, entre os becos, nas estradas atrás da luz alheia.
não é difícil identificá-las. faz-se necessário porém, porque são perigosas, ardilosas, invejosas, oportunistas. estão sempre à espreita. sempre à espera de uma chance, de uma oportunidade, de uma abertura. elas nunca olham nos olhos. falam manso. quietas e observadoras. pensam pouco e agem mais. não há escrúpulos ou ética para as mariposas sem asas...não existe o meu limite ou, talvez o seu. assim explico. para entender a compulsão, obsessão que faz parte de mim agora. caçar!
tenho que explicar. a minha função é atrair e levá-las a sua determinação auto destrutiva. há quem colha asas, assim como colhemos flores! as asas caem e tem que ser recolhidas. em minhas andanças descobri que tinha parcerias. mas há um acordo tácito, mudo onde cada um faz o que tem que fazer. nós nos reconhecemos. e basta!
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asas caídas ... um pouco do trabalho do outro!
hoje o dia se fez mais frio. andar nas ruas é saber que a natureza é mais forte até mesmo que os nossos instintos mais humanos. caminhando vi muitas asas caídas! quanto cinza. as cores entrecortadas, às vezes, de um azul celestial, não ultrapassavam à graduação entre o preto e o cinza. as asas ao chão variavam de coloração e brilho. algumas brilhavam. outras eram quase transparentes. outras muito opacas. quantas asas caem ao chão! não é necessário estar em um pequeno ou grande lugar. cada comportamento se torna proporcional ao tamanho geográfico. e mais proporcional ao tamanho dos vícios adquiridos. nada suplanta a verdadeira máscara. boa educação, cultura, trejeitos, maneirismos, na verdade cada um, sendo como é, faz parte de um mesmo pacote humano. os vícios estão em toda parte. a maldade. a perversidade. a loucura. a psicopatia. se vê muitas asas de psicopatas caídas. estas são quase irreconhecíveis. não tem cor, mas cheiram muito mal. é um horror ver uma destas! melhor não vê-las. mas para quem é inevitável não tocá-las, não empacotá-las...tudo se torna comum. as asas saem a voar se não são destruídas. na maioria voltam aos donos. monstros, vampiros, fantasmas ou espectros de homens que às soltas não pensam em outra coisa a não ser fazer o mal. eles nem sempre são tão horripilantes quanto sua verdadeira imagem. aparecem celestiais. como anjos lindos muitas vezes! e nunca vi um anjo. com asas magníficas e sedutoras... mas, cedo ou tarde, as asas caem! sendo recolhidas dia após dia. a sujeira infecta às cidades! uma sujeira psíquica. imperceptível! que impregna o inconsciente coletivo. ahhh mariposas! quantas! sem gênero. há porém os recolhedores de asas. às vezes quilos, toneladas levadas ao lixão. o que quer dizer que caem cedo ou tarde. mas estes varredores de rua, não são vistos. eu os vejo. somos parte de um mesmo pólo!
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calibri ... um contato!
virei a esquina e la estava ela. sim, ao longe avistei uma mariposa sem asas. ao mesmo tempo que queria retroceder, algo me atraía. seus olhinhos apertados, aquele sorrisinho! se aproximava mais e mais. alguma coisa queria. nenhuma mariposa sem asas se aproxima se não quer ganhar algo. minha curiosidade suplantou qualquer temor. a um metro já via seus tocos de asas pustulentos. nem todo mundo vê o que eu vejo. às vezes é aterrorizante, às vezes não, é até bonito. dependendo do grau de inteligência elas até mesmo fingem ter asas deslumbrantes. naquele dia as minhas estavam em casa. sim, as tenho. mas não as uso porque encontro mariposas sem asas sempre. se veem minhas asas, não se aproximam. ela se aproximou e se encostou. uma gosma fétida ficou no meu braço. imperceptível a olho nu. voz mansa, pausada falou do dia a dia. pude ver nas suas botas que andara por cemitérios. qual alma desejava aquela criatura? e por que eu? continuei ali parada com ela ao meu lado. ah, os cemitérios? lugar preferido delas para o descanso. olhava para mim através de um óculos pesado, escuro e mal cuidado. esta pertencia ao mais baixo estágio de vibração. mal via a luz do dia! convidou-me a andar. fui. desinteressada e curiosa. pediu meus endereços. sentia-se só! uma mariposa sem asas não sente. mas fiz que acreditei. dei meus endereços e me retirei. saindo do meu lado deixou aquele rastro familiar. a opressão pura! abri meu computador e la estava, figura opaca a me fazer perguntas. na tela respingava a gosma virtual, de cor verde. quando uma mariposa não come há tempos, vomita essa gosma. eu via aquilo meio surpresa pelo efeito visual que causava. quanto mais ela teclava, mais a gosma se espalhava. às vezes pedia que teclasse novamente a mesma frase. a gosma ocultava as palavras. ardilosa ia tecendo sua teia. em sua crença havia pego uma alma. de repente me fala do ogro. sim, conheci um ogro. aí percebi que o interesse estava em se aproximar do ogro. porque se alimentar de um ogro da mais anos de vida e maldade! disse que ele estava no lugar de sempre. no seu castelo escuro e mal cheiroso com o seu poder grande de construir e destruir. essa era sua função diária já que não tinha mais dentes para comer crianças! ela ouvia com atenção. foram horas, dias, semanas, meses de um falso contato até que a verdadeira história se descortinou. a minha função é quase a de uma detetive ou aproximadora destas almas! pasma, porque sempre me surpreendo mesmo não sendo a primeira vez, acessei o quadro mais surrealista que já havia visto. o ogro, que havia conhecido, abraçado a uma mariposa sem asas. essa mariposa, magra, esquálida, faminta de alma era da mesma espécie da que me abordara. as mais perigosas! os dois juntos formavam uma cena de terror. um ogro prisioneiro de uma mariposa sem asas é algo fantástico no mundo das maldades. imediatamente cortei toda comunicação com a mariposa que me abordara. é assim que sempre acabam esses contatos. tenho que preservar minhas asas. olhei mais uma vez aquele quadro e percebi, assustada e não muito assustada, que o ogro ja não tinha uma orelha. que faminta esta mariposa esquálida! à medida que voltava às ruas, à procura de ver e atrair novas mariposas sem asas, pensava: pobre ogro! tão forte e tão assustador ali ao lado daquela mariposa! mas dizem que quando duas criaturas destas se encontram é para cumprir o ritual autofágico de um comer ao outro, e a si mesmos, até desaparecerem! ... se assim for, algum fundamento existe para esta função que se tornou uma obsessão dia após dia. sim, obsessão! porque é uma força de atração! o bem e o mal se diluem numa mesma realidade nas ruas que percorro e nos contatos que estabeleço. assim é! ...
descanso
tempos de calmaria. não ouço os carros, buzinas ou alarmes. alguma coisa se aquietou. desta vez o mundo me observa. trago em mim um ar de satisfação, indecifrável. quantas são as pessoas que neste mesmo momento se debatem como peixes fora da água, agonizantes! sei que muitos em desespero se atiram de andares, dão cabo a uma vida que lhes parece insignificante. mas a mim isto não ocorre. sinto esta paz reconfortante de quem atravessou a nado o canal da mancha a uma temperatura de 40 graus. cheguei a outra margem. quase purificada. quase anjo. quase um deus! me amedronta a calmaria sem uma tempestade que a antecede. porém, sinto-me privilegiada com a calmaria após a grande tempestade. aí sei que algo em mim se transforma. sei que algo de verme, de vírus, de bactéria está tomando o rumo da saída. andar com humanos tem dessas coisas. somos contaminados. os vampiros estão em toda parte, as mariposas sem asas. as minhas asas estão guardadas. prontas para serem usadas no momento certo. escondi minhas asas. esta foi minha estratégia. a elas ninguém furtou. observo as mariposas se debatendo no vidro do meu quarto, na janela da sala. querem entrar. hoje não! chego a ter pena porque, coitadas, às vezes se dão conta que são manetas, mal podendo voar. estão desesperadas. querem almas humanas. ouço o lamento de um canto misturado a gemidos a atravessarem as paredes. eu não as temo. nunca as temi. porque sempre soube do lugar que elas ocupam nesta cadeia alimentar. elas são alimentos para os vermes! para ogros! a calmaria chegou. minha alma está feliz. ouço de longe o lamento daqueles que em grupos conspiram, tramam e acham que conseguirão brilhar. o brilho é natural. não se compra. não se acha por aí. não se ganha. pode-se roubar, mas não por muito tempo! o brilho não está em qualquer um. a calmaria dança no meu estado de ser. talvez ao mesmo tempo, asas voam despedaçadas neste céu cinzento de chuva. óh raça humana! tão medíocre nos seus planos. tão pequena nos seus atos. tão burra nos seus gestos. a imensidão da minha alma sobrevoa o lugar amado. sinto nele a desolação! jogo um pouco de brilho... no fundo tenho pena, só pena. mas as mariposas sem asas vestem-se de preto agora. choram o luto da viúva. pobre ser inferior. a chuva cai la fora e é domingo. hummmmmm o bom cheiro da terra molhada...





quarta-feira, 4 de agosto de 2010

verdana
não existe um fio condutor. o que conduz a atualidade é o puro caos, na sua mais pura essência. não dá para procurar a lógica onde não há. a idade da pedra, do ferro, do ouro não se comparam à idade em que vivemos. a idade do gelo! as pessoas se reproduzem como clones. uns iguais aos outros se vangloriando em adular-se a si mesmos e a enganar. é o século do engano, da mentira, da aparência, do faz de conta. a mentira televisiva tomou conta da alma humana. o que olho pode não ser o que vejo. o que escuto pode ser o que não ouço. o que toco pode não ser real. é fácil mentir. é fácil fazer de conta que sou o que não sou. o que está em jogo na era do gelo é o que posso ganhar. o ganho está em primeiro lugar. sentimento gelado. beijo gelado. abraço gelado. sorrisos assustadoramente gelados. e nesta frieza se constrói um admirável mundo novo. perfeito. naõ se admite falhas. não se admite ser humano. estamos para além de humano mas no sentido oposto ao de Nietzsche. nos tornamos não humanos. a alegria programada, o amor interesseiro, a aparência estudada, as palavras sem conteúdo e o caráter duvidoso compõem o homem contemporâneo. ele é out-in, ele é clean, ele é perfeito, ele é rápido em pensamento e safadeza! esperto, oportunista, ardiloso e frio, muito frio. a carcaça artificial sobrepujou a alma, o coração, os sentimentos que ainda se podiam dizer humanos. se corre, se briga, se pisa, e às cegas se mata e se mata o amor, a solidariedade, a emoção. esses seres amorfos de sentimentos, exilados de si mesmos, perambulam do nada para o nada num mundo virtual e ilusório. tão longe estão da essência, que um desconhece o outro. se estranham. fogem com medo do que veem. pois somos espelhos uns dos outros. e nem sempre o que a realidade nos impõe é bom de se ver.
esta é a era do gelo! onde se perdem bilhões em construir mundos super modernos, belezas e juventudes eternas para ganhar e ganhar, ter e ter cada vez mais! o império dos desejos acompanha a era do gelo. deseja-se tudo. quer-se tudo. tem-se, na verdade, nada. no fundo somos um amontoados de móleculas destrutíveis. bactérias de um mundo caótico. o vírus implantado por um cientista maluco. ahhh raça humana! o gelo cobriu teu coração! o super cérebro suplantou teus sentimentos e, teus olhos, estão presos à caverna de Platão!