domingo, 5 de setembro de 2010

f i l i g r a n a s

que beleza! nunca se vira tão rodeado de belezas. o cheiro das melhores fragâncias o acompanhavam aonde quer que fosse. ouvia o tilintar de taças. saltos andavam sobre tapetes persas. cortinas esvoaçantes deixavam transparecer as luzes que iluminavam o jardim. o que dizer da mesa bem posta e dos candelabros de prata. particularmente chamavam a atenção de quem num arroubo romântico, imaginava as cenas mais excitantes! as velas acesas de cor vermelha. as chamas pareciam querer acompanhar a dimensão daquele instante. moviam-se de um lado ao outro numa dança suave. olhou para o grande lustre que a tudo cobria com cristais que brilhavam projetando diamantes nas paredes brancas. perfeito! entrara num mundo perfeito. o cintilante das roupas contrastavam com o opaco dos móveis bem colocados cada qual no lugar certo. exato. harmoniosamente. lembrou das filigranas. sim, recebera um convite ornado em filigranas. nunca esperara. não nestas épocas. a sala transparecia atemporalidade. rostos lívidos, suaves, quase transparentes passavam de um lado ao outro. pareciam não olhar. nada se tocava. talvez para não quebrar o encanto. uma música de fundo vinha não se sabia de onde. não havia nome ou definição. a melodia parecia encantamento. êxtase. clímax. ao ouvi-la, transportou-se ao jardim num magnetismo mágico. viu-se entre árvores grandes e chafarizes ainda maiores. do lado de fora tudo parecia maior. suntuoso. brilhante. sim, havia um brilho especial em tudo. perguntava-se o tempo todo por que estaria lá. como parara naquele lugar atemporal? indefinido? percorreu espaços entre flores e monumentos. entre escadas, subidas e descidas. num dado momento parou. colocou a taça onde até então bebera algo. tinha uma cor rosada. de um sabor único, bebeu tudo. sentou. avistava todo o jardim. o caminho longo até a casa com colunas neo clássicas. pessoas iam e vinham num andar calmo e suave. percebia que algo dentro dele o fazia maior. mais denso. intenso. um novo sentimento foi tomando conta. quase chorou. suas mãos pareciam mais pesadas. seu cérebro parara. tudo nele era aquele momento. instantes de frescura, ternura e deleite. levantou em direção à grande casa. viu que ao seu encontro alguém vinha. trazia numa bandeija uma taça de cor verde. ofereceu-lhe. a taça delgada parecia querer alcançar o céu. estendeu a mão pesada e a pegou. teve medo de quebrá-la, pois sentia que algo nele contrastava com a lezeza daquele objeto. segurou-a. levando à boca sentiu nos lábios algo muito bom. tomou um gole. desceu o líquido. parecia ver o trajeto dele. ouvia o som que fazia ao descer. isto lhe impressionou. tomou mais um gole. olhou para o céu e viu nele um clarão se abrir. de um dourado intenso! desciam seres um a um. não podia acreditar. tentou se aproximar. percebeu que o que via era uma projeção de algo que se dava muito longe dali. ele os via como se estivessem próximos, num campo enorme e gramado que finalizava aquele lindo jardim. tomou mais um gole do líquido verde. saiu a correr como se fosse alcançar cada um deles que descia. ao chegar no campo gramado nada encontrou. o clarão de luz dourada se desfizera num passe de mágica. os seres que vira descer, um a um, não estavam mais. respirou fundo e tentou olhar as luzes que ao longe iluminavam aquela casa e as pessoas que nela estavam. deu meia volta e, no mesmo lugar, a taça. tomou o último gole de cor verde e retornou à varanda com colunas neo clássicas. admirado viu casais que juntos rodopiavam sem tocar o chão! leves, soltos, livres da matéria. olhou o lustre que girava também. tentou se apoiar em algo. não sabia se cairia ou levitaria também. surpreso ao dar o primeiro passo ao chegar à mesa, não sentiu o chão. levitava também, que sensação aquela. era levado por uma força estranha a ele. viu que taças com líquidos multicoloridos jaziam sobre a mesa. o colorido contrastava com a toalha de um fino linho branco. os pratos arranjados um ao lado do outro. com certeza em algum momento poderia ver juntos os convidados daquele lugar fantástico. a música tornou-se uma melodia crescente. aos poucos invadia as entranhas ou qualquer porão do cérebro. o volume mais alto. os giros aumentaram em força. os casais se espalharam por toda sala, varanda e jardins. ele apoiado à mesa não sentia os pés no chão. com aquela sensação de uma quase loucura estendeu a mão à taça mais próxima com um líquido azul. tomou um gole. seu olfato aguçou. sentiu que as azaléias do jardim entraram na sala. os perfumes se misturaram. inebriado pensou em movimento. sem que esperasse girou também. com leveza e força. ora mais rápido. ora mais lento. enquanto girava, a sua volta, pequenas imagens o acompanhavam. bocas que riam. olhos brilhantes e abertos. pés afastados do chão. taças coloridas em mãos brancas. as paredes claras passavam uma a uma sobre seus olhos. aos poucos o efeito de um espectro de cores, tornara-se nulo. sentiu seu corpo tão leve ao girar, que já não sabia aonde se encontrava. a sua volta via um cordão de filigranas. percebeu que a trama se fazia ali mesmo à medida que girava. quanto mais girava mais a trama numa teia incompreensível ia se formando. em camadas filigranas formavam um casulo em volta dele. a música intensa, numa melodia desconhecida aumentava em volume. via apenas o dourado das tramas que se entrelaçavam por si só. tentou fechar os olhos. mas algo o impedia. abriu novamente e via uma rede que o circundava, dourada. eram sim filigranas. pensou. as vira no convite! sentiu que seu corpo subia, envolto naquela rede mágica. era levado para fora da sala, da varanda, do jardim. subindo viu um clarão de luz dourado que se abria no céu. emudeceu. desta vez fechou os olhos e perguntou-se mais uma vez por que eu? o céu se fechou! ao longe o som de uma melodia alta e de corpos que giravam brindando o momento com taças e líquidos multicoloridos.

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