quinta-feira, 16 de setembro de 2010

carne crua _ perséfones

dentro do baú tinha um tesouro. não dos comuns. eram armas afiadas mesmo pelo tempo em desuso. cabos pesados. laminas de aço. mais adiante artefatos com jóias, pequenas pedras, brilhantes, alguns alfinetes. no baú desse sonho tinha um registro. antigo. nada se podia ler. indecifrável o cojunto daquelas coisas. não era bem um baú. a dinamica da abertura da caixa era moderna para aqueles tempos. tinha um código. simples para hoje. ela se abria, a caixa, com um encaixe giratório. de repente um tempo. distante. pesado e leve. de armas e jóias. o registro ficou na memória. aquele sonho. levantou. carne crua e desnuda. algo que não tocava. não alcançava. algo no imaginário ficara daquele sonho. levara-a há tempos remotos. a imagem da caixa-baú, negra do ferrugem. mas o segredo fora aberto, pois penetrara no conteúdo daquela mágica do sonho. fazendo o café. abrindo as janelas. olhou no espelho. quem agora era? talvez fosse pedaços de vários tempos. talvez não fosse o que agora via. no fundo sabia que o conteúdo daquele sonho, era mais do que ela sabia dela refletida no espelho. quantos neste momento refletem o que na realidade desconhecem? que parte era ela daquele sonho? vestiu-se como de costume. atravessou umbrais, grandes portões. despediu-se de Ades, amistosamente. pulou correntes, evitou sussurros. os gritos de lamentos eram sua rotina. o sonho, talvez, trouxesse à tona as pequenas pedras preciosas que sabia existir naquele limbo. era sua tarefa. destemida e acostumada ao escuro, andava entre gemidos, gritos e lamentos. mãos se estendiam de todos os cantos. não as temia. ao contrário, estendia as suas ao encontro de cada uma. como se dizendo, aguardem que chegarei. após toda caminhada, sabia que ultrapassaria o portal. isso era bom. novos ares. novos trabalhos. uma quebra de rotina. subiu. a luz ofuscou um pouco a primeira imagem que viu. isso era comum. acostumar-se à luz. quando vira a caixa aberta do sonho, aquelas jóias, pequenas e lindas, talvez fossem dela. não soube decifrar. mas havia algo, algum decreto, alguma lei guardada por armas das mais bem feitas, artesanalmente. disso não esquecera. entre corpos, rostos e expressões seguiu seu caminho de costume. naquele dia sabia aonde deveria ir. era um lamento mais forte que o de costume. ergueu os olhos para além da luz que ofuscava. num canto viu algo que se contorcia. não sabia por que. chegou mais perto. avistou um rosto belo de quase um anjo. doce. meigo. lindo. o que ela via era lindo. talvez, para os que ali passavam, nada viam a não ser um farrapo de gente, de coisa, de humano. quanto mais ela se aproximava, mais ele brilhava em contorções. mais ele falava em gritos e gemidos. mais ele olhava em doçura e pavor. quem poderia ver estes lados? numa mesma face a dor e a extrema alegria e prazer. essa era a figura que se desenhava naquele canto de mundo. chegou mais perto. abaixou. pousou suas mãos pesadas, cicatrizadas, vividas em direção aquele anjo contorcido. olhos grandes e meigos viram as mãos que se estendiam. uma dor imensa tomou conta dos dois corações. mas este era o trabalho dela. olhos contorcidos, membros retesados, a fúria e a dor inconteste! a negação! devagar susssurrou algo ao ouvido deste ser imerso na plena e consciente loucura de não mais querer ser. isso era comum acontecer no seu trajeto. muitos, muitos desistiam de ser. porque ser nestas condições humanas, ditas humanas, melhor negar, e não ser. por isto muito deles se contorciam nos cantos do mundo. porque não era ainda a hora. mas eles já não eram mais. pura dor? puro niilismo? covardia? para ela não importava. naquele momento a caixa se abriu. viu a pequena pedra precisosa, sem a definir, pois mal tivera contato com estas coisas. sempre habitara os umbrais. os olhos meigos a olharam. sem implorar. sem pedir. sem falar. eles entenderam este momento. as mãos se deram. ele de uma contorção, um espasmo,uma contração quase mortal, levantou-se e a seguiu. ela sabia que resgatara mais um. voltou. desceu. fechou. dormiu. os pequenos brilhantes rondavam seu sonho sem que ela soubesse por quê!

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